A lama

A lama

Acredito de verdade que agradecer talvez seja o primeiro passo para transformar as tragédias pessoais em pontos de virada de nossas estórias. Imagino que a flor de lótus agradece todos os dias ao mar de lama que a possibilitou nascer assim tão linda e rara.

  O poder de resiliência desta flor me fascina a algum tempo. Foi aos 21 anos que elegi o lótus como um símbolo para minha vida. Na época ainda estudava Comunicação Social.Vivia intensamente a magia das descobertas e da liberdade que o período de faculdade descortinava aos meus olhos tão curiosos e inquietos. Neste cenário, voltando de uma festa, sofri um grave acidente de carro. A princípio uma fratura de fêmur, logo depois um coma induzido e uma grande chance de morrer devido a um rompimento da pleura do pulmão. Muitas pessoas me perguntam se tive alguma destas experiências narradas de vida após a morte. A verdade é que não me lembro de nada muito concreto, mas sim de uma sensação que até hoje me vem muito clara – a de que a vida é uma oportunidade valiosa e que eu desejava intensamente estar de volta dentro deste milagre.

 Além de uma grande bigorna na cabeça, o acidente me deixou coxa da perna esquerda e com uma cicatriz imensa na canela. De alguma forma a Ìndia me ajudou a resolver estes três problemas – a filosofia védica (escrituras da Ìndia ancestral) deram um norte às minhas angústias existenciais; a prática de Iyengar Yoga, uma modalidade da Hatha yoga que trabalha com alinhamentos e simetria, se ajustou como uma luva para as  questões físicas da perna menor que a outra; e, finalmente, a  tatuagem da flor de lótus, que transformou as minhas cicatrizes na minha marca de caminhar pela Terra.

Quando olhamos para as dores e dissabores da vida com mais profundidade realizamos que estes são os verdadeiros pontos de virada para nos reinventarmos. Como disse o mestre “a tudo dai graças!”.